segunda-feira, 24 de novembro de 2014

História em quadrinhos

Já muitas vezes havia inventado você. Aqui em meus devaneios imaginava características, manias, detalhes, como quem esculpe um personagem. Era uma criação alegre, como quando você nem percebe que sua criatura ganhou vida e passou a lhe criar simultaneamente.

De repente eu tinha meu próprio mini-herói. Sim... só um herói consegue ficar bonito na 3/4. E você fez aquele sorrisinho de Monalisa. E eu, toda vez que olho, consigo escutar seu pensamento: “Não posso gargalhar? Agora você é quem vai rir toda vez que olhar essa foto, e nem vai perceber. Hahahahaha.”

Sabe quando você projeta em seu personagem algo que quer ser e não consegue? Eu queria ser apaixonado por algo tanto quanto você é por veículos. Veículos de qualquer espécie e tamanho. E cor. E finalidade. E cheiro. Sério... até o caminhão do lixo. Mesmo tendo um preferido, apelidado onomatopaicamente, dá atenção a todos com o mesmo entusiasmo.

Você saiu das minhas teclas e conseguiu se materializar do jeito que eu imaginava. Agora estamos criando nossos próprios quadrinhos, muito divertidos. A gente ri, e só a gente entende. E logo acaba, porque não é um livro, é um quadrinho. Mas a gente gosta de quadrinhos. E não importa que demore um pouco pra chegar na banca. A gente sabe que vai chegar, e vai ser incrível de novo.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A cor do canto

No meu cantinho da cor
da cor de ALmô
de lá do ser
ser eu, se ocê
se ocê vier
se Deus quiser
e com pincel te colorir
da cor de Almô
da minha cor

Da minha cor
da cor do meu cantinho
canto sozinho
cantinho de ocê
e se chover
pra água levar
o meu cantinho
e o canto não ser mais sozinho

E se o cantinho da cor pintar uma flor
não tem pincel pra colorir
água do céu não vai cair
nem vai levar a cor sozinho
e eu vou voltar pro meu cantinho

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Uh Tererê!

Nunca gostei de acordar cedo, principalmente aos finais de semana. Mas houve um período em que acordava às 6h de domingo para ver um dos melhores times de futebol que já existiu no início da década de 90.

Aposto que imaginaram o São Paulo de Raí e Palhinha, ou o Vitória de Pichetti e Alex Alves. Estes também foram grandes times, mas aquele era melhor. Imbatível. Ficou invicto por não sei quanto tempo. Tinha meu tio Luis na zaga e meu pai e meu primo Guiu no ataque. Uh Tererê!

O nome de Guiu é Ítalo. Até hoje eu não sei o motivo desse apelido.

O baba dos coroas da Lavínia (Lavínia Magalhães, rua da Boca do Rio) era “de lei”. Domingo cedinho a galera armava os golzinhos na rua e o campo de jogo ia da casa de Zé Cosme até a casa de dona Adélia. Era meio enladeirado. Sempre no par ou impar o melhor era escolher o campo de cima. A bola saía e a gravidade ajudava na hora de ir buscá-la.

10 minutos ou 2 gols. Empate sai os 2. Meu tio Luis não deixava passar nada com sua técnica defensiva. O sacana ficava pulando de um lado pro outro na frente da trave e ninguém conseguia acertar o tempo do chute. Isso minava emocionalmente (de risos) o adversário e sempre surgia um contra-ataque fulminante pra matar o jogo. Meu pai fazia a ligação e Guiu, único sub 30 do baba, se encarregava de botar a bola pra dentro.

Se naquele tempo existisse câmera digital, certamente o Uh Tererê teria aparecido no Bola Cheia.

Lembrei-me disso porque você gosta do Caetano, eu gosto do Gilberto Gil, você gosta da Timbalada, mas eu, 16 anos depois, vou voltar a pegar um baba na Boca do Rio.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

"Emancipate yourselves from mental slavery"

- Sai daí Carlinhos! Você vai pegar santo.
- Oxe! Por que?
- Você tá sem camisa.
- E o que tem?
- Não pode entrar no terreiro sem camisa, que pega santo.
- E acontece o que se pegar santo?
- Sei lá! Fica se batendo aí no meio, aí dona Ana tem que fazer um trabalho pra tirar o santo de você.
- Ah...


Saí sem entender, descalço, vestido apenas com um short velho estampado e segurando uma bola chuveirinho já amarelada, sem a pintura dos gomos pretos.

Quase vinte anos depois tive esse flashback ao olhar um quadro de orixás na parede da sala da minha chefa. Era bem parecido com a dança que eu via no barracão de dona Ana, na Boca do Rio.

Ao fundo, Cosme e Vital tocavam timbau num ritmo cadenciado e repetitivo. Eles eram pais de Lequinho e Éder, respectivamente, meus amigos da Lavínia. Até então eu achava que Cosme era crente e Vital católico. Talvez até fossem. As relações religiosas na minha vizinhança não tinham muitas barreiras.

Ao lado, numa cadeira bonita, dona Ana batia palmas e olhava o infinito. Era uma figura enigmática. Avó de dois outros amigos, Manteiga e Bile. Não tive muito contato com ela, apenas um dia em que jogávamos videogame no barracão. Ela parou ao nosso lado, olhou para o meu irmão e falou: “você é de Iemanjá, seu olho é de Iemanjá”.

Dona Ana também era avó de Alemão. Um dia compramos duas pets de fanta para comemorar o aniversário dele depois do baba. Sua mãe nos chamou e explicou que Alemão não podia comemorar aniversário porque era Testemunha de Jeová. Ela pegou uma bíblia e tentou nos explicar que tinha acontecido alguma coisa (a qual não me recordo mais) com João Batista, e esse era o motivo da falta de aniversário, mas daquela vez ia deixar porque a gente não sabia disso e fizemos de coração.

Tudo bem. Tomamos a fanta e combinamos que nos próximos anos comemoraríamos escondidos. Mas nunca mais comemoramos. No mesmo ano, não lembro quanto tempo depois, Boca Mole interrompeu o baba chorando e anunciou que a irmã de Alemão havia morrido. Ela tinha leucemia e não pôde receber transfusões de sangue.

Seria facilmente tomado pelo ódio àquela religião, e fui durante a infância, mas acho que não cabe julgamento neste caso. Existem coisas que eu faço e os hindus abominam, e eles são gente demais para se desprezar. Também não quero levantar uma guerra (mais uma) entre religiões, ou falta delas. Acredito na intenção de seus líderes em disseminar coisas boas, embora soubessem que seres estúpidos não entenderiam suas mensagens e sairiam por aí fazendo merda.

Tenho saudades daquela época em que todos eram amigos, se ajudavam e celebravam juntos durante a semana e, aos domingos, depois do baba, cada um pedia paz, amor e dinheiro a Deus, Jeová e Oxalá, não necessariamente nessa ordem.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Teoria dos meus jogos


Há muito está aprisionado numa caixa de medos. Sabe que ele próprio colocou-se lá, de forma conscientemente inconsciente. Logo quem, o Sr. Precipício.
Foi empurrando com sua cada vez maior barriga, alimentado por dentinhos que há pouco surgiram e acabaram criando um cenário perigoso. Segurança e comodismo, paciência e inércia, todos andam em paralelo. A culpa é sua; os dentinhos nada têm a ver com seus mindfuckers.
Certo e errado se distinguem tão somente após o resultado de uma decisão. Pouco importa se você pensou meses e planejou minuciosamente cada etapa de um projeto de vida. A própria se encarrega de derrubar com um sopro, e sem cerimônias, a primeira peça do dominó.
Derrubou inúmeras vezes, até que percebesse que, na verdade, estava jogando poker. As mãos sucediam-se e só pagava o blind, reduzindo lenta e imperceptivelmente o seu pot. Aí está o risco em não correr riscos.
Está chegando o momento em que qualquer aposta será all in, e terá que fazer isso de mãos atadas, de dentro da caixa.